5.4.04

melancolia e saudade, tudo culpa da cássia.
em alguma parte do livro do nick hornby, alta fidelidade, o carinha tá no velório do pai da ex-futura-namorada conversando com a sua melhor amiga e diz, para si mesmo, que nunca mais quer ter relacionamentos com mulheres que ainda nao perderam o pai, ou a mae, ou alguém muito importante. simplesmente porque ter vivido esse momento dá um tipo de maturidade às pessoas que as deixa muito reais, muito fortes. e sensíveis ao mesmo tempo. essa é a minha interpretaçao desse pedacinho do livro. nao necessariamente o que hornby escreveu. eu acho que tem um pouco de verdade nisso. perder alguém muito importante para ti te transforma, sem volta, sem escolha. mas acho também que conviver com alguém que teve essa experiência tem um lado um pouco sombrio que deve ser difícil de levar numa boa às vezes.

perder alguém muito importante na tua vida significa nunca mais, nunca mais, nunca mais ver essa pessoa, e sempre, sempre, sempre lembrar dela e, automaticamente, da falta que ela faz. em agosto deste ano completarao oito anos que o meu pai morreu. oito anos é tempo pacas. mas para mim, parece que foi na semana passada. ontem. se eu quiser, eu posso pensar em tudo detalhadamente e sentir novamente toda a dor, toda a confusao daquele dia triste. e tenho a certeza mais louca do mundo de que em nenhum, mas realmente em nenhum desses quase 2920 dias eu deixei de pensar no velho gianfranco, pelo menos por cinco minutos. nao que eu valorize isso e por cinco, dez minutos por dia me concentre e pense nele. que nada. simplesmente me vem. em momentos distintos. pode ser por ver uma coisa que me faça lembrar dele. pode ser por viver um momento parecido com um momento que vivi com ele. pode ser uma comida. um cheiro. uma cor. pode ser um presente que eu gostaria de oferecer ao meu pai e nao tive a oportunidade. tudo. e é bonito que seja assim. mas acaba sendo inevitável que às vezes esse sentimento venha com uma força tal, que eu acabe precisando sentar no sofá e chorar por uns minutos. ou por umas horas. e ninguém me levanta dali. quando vem, nao tem nada a fazer, a nao ser chorar.

meu pai morreu sem nenhum tipo de aviso prévio. estava tudo normal, fomos todos dormir. ele se sentiu um pouco nauseado. minha mae chamou o médico e, a caminho do hospital, o velho apagou. infarto fulminante da aorta, ou coisa do gênero, diz na certidao de óbito. assim, eu, meu irmao e minha mae nunca tivemos a oportunidade de dizer tchau, nunca vamos te esquecer, te amamos muito, tu sempre foi e vai continuar sendo um pai e um marido sensacional. nao deu. ele tava ali, minutos depois, nao tava mais. e a gente teve que dar o adeus e fazer os comentários para nós mesmos. e o fizemos, repetidamente, por meses, anos, até absorver a idéia. e por isso eu sempre me questionei: o que era melhor, ou, evidentemente, menos pior? ver a pessoa que tu ama doente, sofrendo, mas ter a chance de dizer essas coisas para ela? ou vê-la morrer praticamente sem sofrer, e nao poder dizer nada, nao poder tocá-la, nao poder abraçá-la ainda viva? e, depois, me perguntava outras coisas, como: o que era melhor? ter tido um pai espetacular como eu tive, mas que morre cedo e nos deixa só as lembranças incríveis e uma saudade imensa? ou ter um pai nem tao espetacular, ou de repente meio filha da puta mesmo, mas que vive cem anos?

as respostas sao difíceis e nada óbvias. vêm e vao.
mas com o tempo a gente aprende que ela têm pouca importância.
se no início da nossa nova vida sem a pessoa que a gente ama, damos um jeito de encontrar milhares de culpados pela dor, pela falta, pela morte.. com o tempo, a gente acaba perdoando um a um, todos os culpados. e o último deles, é quem nos deixou.

Nunca pensei um dia chegar
E te ouvir dizer
Não é por mal
Mas vou te fazer chorar
Hoje vou te fazer chorar
Não tenho muito tempo
Tenho medo de ser um só
Tenho medo de ser só um
Alguém pra se lembrar

Nenhum comentário: